segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

Sobre o Ensino de História II

Um outro ponto básico para o ensino de história "fora da academia", é a "perspectiva do onde estamos". Os alunos precisam debater o significado da produção histórica, poderiamos pegar exemplos de disputas que a história poderia trazer - história como reconstrução, história como dizendo ao presente, porque o passado relevante é o "passado que não passou". Tal como na psicanalise, poderia dizer, os passados "não passados" para nós, nos atormentam, então os discutimos, infindamente, discutimos, dentro dos nossos códigos culturais, dentro da nossa formação subjetiva pessoal, e a maneira como aquelas variaveis nos afetam.
Como nos é impactante o peso da Segunda Guerra Mundial, do Nazismo, como insistimos ainda em tratar o Nazismo como uma "besta anomala". Nos esquivando de adentrar nas questões que nos machucam - aquelas que nos faz real o medo de que somos mais parecidos com aquilo que foi o Nazismo do que gostariamos - e trocamos isso por uma divisão maniqueista e simplória do mundo. História é presente. Nada nela é neutro, nenhum historiador simplesmente "estuda um assunto", e isso tem que ser colocado em debate.

Porque Finley escreveu "Democracia Antiga e Moderna", quais variaveis o afetavam? Em que época ele escreveu o livro? Ao que ele está dizendo, além do conteúdo de seu livro? Qual proposito?
Esse é um questionamento porque o livro foi muito significante para mim, e o primeiro a vir e minha cabeça, existem infinitos outros. Outro ponto que poderiamos discutir longamente é o fato de que a história ensinada nas escolas permanece "desautoral", sempre em tópicos, com fatos diretos e bem resumidos - não dando nem chance a "mão humana" na história, poxa, é "gente que escreve", e não a "história que tá ali", tampouco a incerteza do fato, inclusive porque a incerteza é humana, e não "cientifica" como creem alguns, ainda que eu acredite, que mesmo "cientificamente" navegamos num mar de incertezas.
O que dizer? Vejam filmes "históricos". Recomendo um que vi hoje, muito bonito: a tradução é "jornada pela liberdade", e fala sobre William Wilbeforce, um parlamentar inglês que lutou pela lei de abolição da escravatura no território da Grã Bretanha. Ao final do filme, eu perguntaria aos meus alunos, "Quem se emocionou com Wilberforce?" "Quantos se arrepiaram ao ouvir seu discurso?" e terminaria a aula perguntando maldosamente por entre os dentes "Por que?".

É interessante, em um monte de filmes históricos, onde um "libertador" aparece, para lutar contra alguma "tirania antidemocratica", "contra o povo", etcetera... Há uma construção de diálogo que me parece interessante: Diálogos em que os personagens tem "insights" sobre o futuro "livre, leve e solto" (Exatamente como nesse filme que citei)

A minha idéia é que, os filmes, como os livros, mostram o exercício de reconstrução em prática: Conhecemos o que veio depois, reconstroi-se, no caso desses filmes, a partir de variaveis as quais nos indentificamos, por isso esses personagens são referências, são "hérois". São subjetivamente considerados pelo filme "homens fora do seu tempo" na sua construção como personagens, o que é bem interessante, e daonde podemos fazer um bom exercício: Novamente, sabemos o "fim da história", sabemos o que vem depois, temos nossas variaveis culturais que indicam aquilo que temos como referência de "admiravel" e "repugnante" (ou ainda mais terrivel "bom" e "mau"), essas referências pesam na construção dos personagens, ofuscam o que "são" para criarmos sobre eles as nossas impressões. Não há nenhum pecado nisso, nunca "reconstruiremos" os agente históricos de 200 anos atrás, dúvido que consigamos fazer isso com de 50 para fazer um filme sobre a década de 60 no Brasil. Mas é preciso que se tenha em mente isso, essa sensação de "fora de alcance" - essas personagens que perpassam os milhares de anos de história da humanidade, causam-me sempre essa impressão de distancia... de que é profundamente díficil, chegar ao mundo deles, nunca realmente possivel, mas é preciso perceber: Mundos diferentes.

História é um exercício para lidar com a percepção de mundos, para saber se engalfinhar em "questões mal resolvidas" pelo nosso tempo presente, nossas disputas "sobre o passado", porque elas determinam como construimos as nossas percepções sobre o presente.

E daí, poderiamos ter uma história, para educar para a Autonomia.

Uma história nem tão preocupada assim com a assimilação dos fatos, tampouco a transimissão do "código cultural" nele contido, mas de jogar ao ar, e expor as entranhas pela qual pulsa isso tudo. Cheio de pessoas, com incertezas, paixões e gostos - do lado daqueles que deixaram seus vestígios na forma de documentos, sobre os quais os apaixonados do outro lado, historiadores, se debruçam com suas subjtividades, procurando encontrar traços de coisas, para escrever sobre nossas "memórias conjuntas".

É importante esquecer-se dos fatos. E dar-lhes menos importância, e um novissimo leque de opções se abrirão - para os nossos alunos, para a disciplina histórica, e para nós.

.

Nenhum comentário: