domingo, 6 de outubro de 2013

Três meses...

Chegou simpático, dizendo sobre o frio que deve fazer hoje a noite. Carregava um cobertor verde e preto, camisa, branca e azul, uma calça jeans simples e sapatos, alguns cabelos brancos se insinuavam a partir da têmpora indo até atrás de sua orelha, o restante era castanho, mas quase meio acinzentado. O rosto e era magro, como magro era o homem, sentou-se ao meu lado.
Eu concordei, falei algo sobre a mudança de tempo, e ele comentou que a noite seria brava...

"Uai, brava por quê?"
"Ah, vou passar a noite no hospital"
"Oh, tá com alguém internado lá?"
"Não, não, vo só passar a noite lá mesmo. Amanhã tento conseguir carona pra Taubaté."

 e continuou...


"É Cancêr, no figado, no pulmão, hepatite C, não sei o que mais... Agora não tem mais jeito."

Me falou que trabalhou 5 anos com veneno em Minas, e que Minas e Góias eram muito parecidos, que ele foi muito bem recebido nos dois lugares. Olhava para longe, para o tempo, alguma lembrança lhe passava diante dos olhos enquanto dizia aquelas frases, lembranças que eu só acompanhava de fora.

Gostava de dormir no galpão da fábrica que trabalhava, em três corações. Dizia que era mais fresco, melhor, mesmo que o veneno ficasse ali, todo exposto. Não tinha mais os pais, nem nenhum parente próximo, a dúvida me tomava à medida em que conversávamos... "Por quê Taubaté?"

Ele era dali de perto, de uma cidadezinha proxima a Aparecida do Norte.  Mas não  era pra familia que retornava, disse que ia fechar um negocio de uma firma, e talvez conseguir algum dinheiro. Tinha vindo parar em campinas internado, quando descobriu do que se tratava... decidiu abandonar o tratamento.

Assinou a documentação que o declarava responsável por não seguir com o tratamento que poderia lhe ceder alguns meses mais de vida. Carregava um baita sorriso enquanto dizia:

"Ah, finalmente, poder descansar em paz."

Olhei, meio assustado, não sabia se se referia ao hospital, onde passaria a noite. Ou se se referia à propria morte, que não tardará muito a chegar. Acho que era mais minha recusa em ver, porque no fundo eu sabia, que ele se referia a seu próprio fim...

"Eu não tenho medo não, muita gente que ouve não acredita, mas eu não tenho medo. Por que que eu vou ter medo?"


"Viver até os oitenta, para quê? A gente já tem que passar por tanta coisa até os trinta. É tanto sofrimento no mundo..."

E disse do nosso desespero em estender nossa longevidade e da tolice que acreditava ser aquilo.


Confessou, no entanto - sua ansiedade, com as palavras, as mãos e os olhos. Citou para mim alguns trechos da Biblia, apesar de não seguir nenhuma religião. É que queria estar mais próximo de Deus já que seu fim estava anunciado.

 Disse as frases de alguns profetas... que diziam sobre a vida maior, que vinha depois da vida, que nossa vida - essa vida - não passava de um sopro de grãos de areia contra o vento.... que não era mais que "como contar histórias, onde mal se começa e já está terminando"...



Hoje eu conto a sua, sabendo que em breve, mal começada, acabará..
Toda a areia soprada contra o vento...
O encontro com nosso destino comum.



E ele, "seu" Sérgio, seguiu para o Hospital, e em segredo, lhe dedico essas palavras.






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