sábado, 15 de abril de 2017

Sobre "13 Reasons Why" , parte 1.

Esse escrito não se pretende final, é na real um exercício de reflexão, registrado para que eu mesmo possa acompanhar o que já escrevi/pensei a respeito da série "13 Reasons Why". Mas por que escrever sobre a série em primeiro lugar? Bom, tenho sido perguntado várias vezes acerca da série, o suicídio não é exatamente um tema "longe" da minha história, para os desavisados, meu pai se suicidou, então, eu tive, e até precisei, em várias medidas, dar espaço ao assunto e pensar sobre, talvez ainda mais complicado, sentir sobre. E falando em sentir sobre, vamos à série...

Bom, em primeiro lugar, eu ainda não terminei de assistir, não sei se chegou a um fim, vi os 5 primeiro episódios e já tinha conversado com algumas pessoas a respeito. Como sei que o assunto vai continuar fervendo por algum tempo, decidi escrever a respeito. Minha primeira impressão sobre a narrativa que está sendo construída na série, é que ela precisa ser avaliada com cuidado: a série parece ser narrada da perspectiva da personagem que faleceu, Hannah, quando na verdade é narrada quase que na perspectiva do personagem que recebe suas fitas, Clay Jensen. E quando digo que a narrativa acompanha, isso vai além de simplesmente como a história desenrola os fatos, mas que a história se passa do ponto de vista do universo emocional dessa personagem, de seu conflito com a perda de alguém que amava, com sua culpa e imensa dificuldade em lidar com o ocorrido - e esse universo aparece de modos hora mais explicitos, n'outras mais sutil.

Acompanhar o drama de Clay te faz criar simpatia pelo personagem, e talvez aqui a série traça sua primeira linha na areia: existe uma divisão que aparece logo no começo, que não sei se permanece, que é entre os personagens que são "bons" e os "ímpios", sendo que essa parte "boa" da qual Clay faz parte, muitas vezes, no contraste com suas contrapartes "ímpias",  levadas a se questionar se são tão boas assim, os ímpios que seriam responsáveis indiretos (ou diretos?) pelo suícidio de Hannah seriam os únicos responsáveis, ou teria ele (Clay) uma parte dessa culpa?

Esse recurso narrativo bastante elaborado tem duas consequências, além de serem um modo de desenvolver a narrativa: Elas ajudam a criar uma simpatia pelo personagem principal (Clay) ao mesmo tempo que ao questionar esses poucos personagens "bons" que aparecem colocam a pergunta para nós, espectadores. Nesse sentido, nos faz dividir alguma das dimensões da angustia do personagem principal: seja na sua dor, seja na sua vontade de "justiça", somos em alguma medida responsáveis pelo suicídio de alguém ao nosso redor?

Não há resposta fácil a essa pergunta. Nem creio que se explorada com cuidado seria possível obter uma resposta, porque as variáveis são infinitas, perder as especificidades das questões é perder a própria questão. Daí um primeiro incomodo que a série causa é que ela tende a nos levar para a "narrativa da culpa", ela não complexifica a questão (não até o momento), focando-se na dor da personagem principal e explorando um enredo que culturalmente nos afeta - do amor que poderia ter sido e não foi ou quase foi, dentro de um dos tabus sociais mais difíceis de lidar que é o suicídio - a série estabelece logo de inicio uma tensão em torno da possível culpabilidade dessa personagem e um ótimo recurso para nos manter tensos querendo assistir ao próximo episodio porque de alguma maneira a "redenção" da personagem principal poderia representar para nós algum tipo de redenção. Ou ainda, do cumprimento de uma "justiça" para Hannah... o que torna ainda mais complexa a questão, porque, em se tratando dos mortos, como se busca justiça? Será que é aos mortos a que essa justiça se presta, ou é para os vivos que sentem uma necessidade de fechamento ou sentido para a história?

Entre fitas gravadas pela personagem, memórias "vividas" onde Clay atualmente vê sua falecida amiga nas situações em que as fitas apresentam, combinadas com uma seleção de músicas e a construção narrativa do vinculo entre as duas personagens, é difícil não sermos afetados e isso não é um problema. Pode vir a ser um problema se não pudermos perceber que a série tem uma forma de construção discursiva bem elaborada - uma intenção - e que assistir um episódio e ir pensar sobre suicídio provavelmente te fará descer a "Avenida da Dor na Esquina com a Culpa", facilmente trará algum tipo de revolta ou vontade de justiça e poderá trazer uma resposta fácil a pergunta sobre a responsabilidade sobre o suicídio e isso pode ser problemático...

Uma coisa é preciso, no entanto, ser dada a crédito, a série expõe de maneira muito válida e rica de se pensar a respeito sobre o tipo de ambiente que podemos criar e viver. Sobre naturalidade com que algumas violências ocorrem a todo o momento e nos acostumamos com elas: violências contra os outros, violências contra nós mesmos. Relações que constroem uma teia de violências e criam um ambiente violento e consequentemente uma cultura da violência e naturalização da mesma - no caso da série uma cultura de "high school" norte americana, fundamentada em competição, em enquadramento a turmas, ao medo de ser exposto, machismo, entre muitas outras coisas.  E esses são problemas sobre os quais precisamos pensar a respeito e que são , em alguma medida sim, construturas da realidade do suicídio. "Culpadas" eu acredito ser um termo incorreto, porque não dá conta da variabilidade da situação, em que contextos pode ocorrer e como foi construída pelo suicida, e porque em ultima instancia no acredito que o ato do suicídio é um gesto autoral, uma revolta contra uma realidade que se impõe a todo momento, muitas vezes de maneira esmagadoramente violenta, contra qual o autor se insurge e num gesto radical rompe com ela. A violência da realidade certamente faz parte do nexo de sentido que o suicida constrói mas é esse nexo que é a narrativa do suicida que interliga fatos separados no tempo e as vezes não correlatos em um eixo central e poderoso para o qual a única resposta ou "saída" é a morte que tem um caráter de ação que precisa ser considerado ao se pensar sobre o suicídio. 

Não se trata de culpar a vítima, mas dar voz a sua ação, considera-la sujeito de sua ação, tomada ante uma determinada realidade que ela percebe - a realidade é parte da construção, não responsável, o suicida não é apenas a vitima, mas também agente.O extremo de achar que o mundo(externo) é culpado, perde de vista a voz do suicida, o extremo de achar que é uma decisão individual e separada não percebe que não tomamos decisão se não em relação com as coisas ao nosso alcance, as pessoas com as quais nos relacionamos, as situações a quais somos expostos/nos envolvemos.


E bom, para finalizar essa primeira parte, acho que é raso dizer que a série induz pessoas ao suicídio ou romantiza a questão, ela apresenta uma dureza dos fatos dentro de um nexo narrativo próprio que já apresentei o que eu acho que é importante de se estar atento ao assistir a série, mas trás questões fundamentais de serem pensadas - não apenas no sentido mais abstrato "da sociedade", mas de nós mesmos, e quando digo isso não no sentido de nos culpabilizar, mas de procurar aguçar nossa atenção para as tantas violências que naturalizamos e obviamente não apenas em relação aos outros mas também contra nós mesmos (aliás, tenho a impressão que toda violência que somos capazes de exercer para fora não consegue ser maior do que a que podemos exercer sobre nós mesmos, porém essa teoria ainda precisa ser posta a prova).


Mas alguém poderia justificar o suicídio em cima do fato de ter entrado em contato com a série? Sim, mas até aí praticamente qualquer coisa poderia ser construtora desse nexo, como disse anteriormente e insistindo nisso porque parece que é algo fácil de perder de vista: a particularidade de cada caso é fundamental de ser entendida, qualquer sentido mais geral, ou nexo fechado, não dá conta das tantas realidades de pessoas que cometem suicídio. E a personagem Hannah constrói um nexo narrativo, mas essa parte fica para a continuação desse escrito.

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